
Quando meu pai nos reuniu para dizer que estava deixando minha mãe, achei que tinha ouvido errado. Meus pais estavam casados há 26 anos. Eles não eram perfeitos, mas também não pareciam estar a ponto de se divorciar. Pelo menos, eu não achava.
“Conheci alguém”, ele disse, esfregando as mãos como se estivesse tentando aquecê-las. “Não planejei que isso acontecesse, mas… não posso ignorar. Essa pessoa é minha alma gêmea.”
Olhei para minha mãe, esperando que ela explodisse. Mas ela apenas ficou sentada, em silêncio. As mãos cruzadas no colo, os olhos fixos na mesa.
“Quem é?” perguntei, com a voz trêmula.
Ele hesitou. “E-eu não acho que isso importe.”
“Claro que importa!” rebati. “Você está destruindo a nossa família por alguém, mas a gente não pode nem saber quem é?”
Ele não respondeu.
Nas semanas seguintes, ele se mudou, alugou um apartamento do outro lado da cidade e se recusou a dizer qualquer coisa sobre a pessoa misteriosa. Sem fotos. Sem apresentações. Nada. Minha mãe nunca perguntou — ou, se perguntou, nunca me contou.
No começo, achei que era um caso. Alguma mulher que ele conheceu no trabalho, ou talvez alguém do passado. Mas quanto mais o tempo passava, mais estranho tudo parecia. Ele não se casou de novo. Não levava ninguém nos eventos da família. Era como se tivesse desaparecido no próprio mundo.
Então, uma noite qualquer, encontrei ele por acaso numa cafeteria. Quase não o reconheci — ele parecia… mais leve. Mais feliz.
E não estava sozinho.
Ele estava sentado com alguém. A conversa era tranquila, íntima. Mas não era o jeito que um homem senta com uma amante. Era outra coisa. Algo que eu nem tinha considerado.
Foi só quando me aproximei que percebi. Não era uma mulher. Era um homem.
Os dois riam baixo, compartilhando um pedaço de bolo de chocolate, e quando meu pai inclinou-se para limpar com o guardanapo a ponta do queixo dele, eu senti meu coração disparar.
Por um segundo, achei que minha mente estava me enganando. Mas não: a forma como eles se olhavam, como se o mundo inteiro tivesse desaparecido ao redor deles, não deixava dúvidas.
Meu pai não tinha deixado minha mãe por uma amante secreta, nem por uma mulher de passado misterioso. Ele a havia deixado porque, depois de mais de 60 anos de vida, tinha finalmente assumido algo que manteve escondido por décadas: ele havia se apaixonado por um homem.
Quando nossos olhos se cruzaram, ele congelou. O sorriso desapareceu, a mão tremeu. Eu me aproximei devagar.
— Pai… — minha voz saiu fraca. — Era isso? Era disso que tinha tanto medo?
Ele baixou a cabeça.
— Eu não queria que vocês pensassem que toda a nossa família foi uma mentira. Eu amei a sua mãe. Eu amo você. Mas quando conheci o Rafael… eu percebi que passei metade da minha vida escondendo quem eu era.
Por um instante, a raiva, a dor, a confusão de meses inteiros voltaram como uma enxurrada. Mas, ao olhar para ele — para a leveza em seu rosto, para os olhos de alguém que finalmente respirava em paz —, eu entendi.
O homem que ele chamava de “alma gêmea” não era uma ameaça, nem um segredo sujo. Era a verdade dele.
E, pela primeira vez, eu percebi que meu pai não tinha nos abandonado. Ele tinha, finalmente, se encontrado.





